"Estamos todos na sarjeta, mas alguns conseguem ver as estrelas". O aforismo dramático de Óscar Wilde poderia muito bem ser o lema esperançoso dos rebeldes que protagonizam Rogue One: A Star Wars Story, ou inclusive descrever as expectativas elevadas dos espectadores em relação ao filme épico, estreia a 15 de dezembro, em Portugal.
Para lá do conflito cósmico entre o bem e o mal, da luta pela liberdade ou subjugação, existe a guerra, a grande invenção – ou talvez não – e "comércio" da humanidade, a constante da História.
Rogue One expõe a verdade nua e crua dos confrontos bélicos. Ninguém está inocente, todos têm as mãos manchadas de sangue. No seio dos rebeldes existem fações mais plurais ou sanguinárias, com diferentes cosmovisões axiológicas quanto às estratégias e à conduta ética da guerra-mãe que acabará com todas as guerras.
Mais. Tal conceito complementa na perfeição a trama moral do universo Star Wars, criação de George Lucas, sobre o jogo dialético e a fronteira ténue entre o bem e o mal, o contraste da luz e das trevas, entre os Jedi e os Sith, sobre as diferenças de identidade de Anakin Skywalker e Darth Vader, entre a República, os rebeldes e o Império Galáctico, entre a liberdade e a tirania, aspetos que sondam o conflito existencial, a psique e as escolhas protagonizadas por cada um de nós.
Encena na forma de ficção-científica a possibilidade antropológica humanista renascentista intuída por Giovanni Pico Della Mirandola no Discurso Sobre a Dignidade do Homem, atinente às alternativas de o Homem "poder degenerar até aos seres que são as bestas" ou "regenerar-se até às realidades superiores", e porque não manter a feição dramática suscitada pelo paradoxo de Óscar Wilde: "Cada um de nós tem o céu e o inferno dentro de si".
Mas, "primeiro viver, depois filosofar", equivalente a descrever a ação e aventura espetaculares oferecidas por Rogue One. Realizado por Gareth Edwards tem a pretensão e o mérito da autenticidade, de valer por si só, constituir até certo ponto, a alternativa ao formato de reboot inaugurado por Star Wars VII: The Force Awakens, dirigido por J. J. Abrams.
Na realidade, a longa-metragem sustenta o pendor de representar a prequela cinematográfica dos 40 anos da existência de Star Wars.
Em relação à contextualização na metaficção, Rogue One representa um dos spin-off mais interessantes da saga, o nexo de causalidade que faltava, situado entre os episódios Star Wars III: Revenge of the Sith (2005) e Star Wars IV: A New Hope (1977), revelando um pouco mais sobre as personagens e o enredo originais. Importa referir, à consideração dos mais aficionados, que a sua dinâmica se conglomera com a série de animação Star Wars Rebels, produzida e transmitida já sob a égide da Disney.
Ao estilo de "Soldados da Fortuna", Rogue One conta a estória dos valentes rebeldes que concretizaram a missão arriscada, mas crucial, de roubar os planos de construção ou segredos tecnológicos da temível estação espacial Death Star, os quais protagonizam atos heróicos por detrás das linhas inimigas, vencem diversos perigos e contrariam as probabilidades de insucesso.
Tal feito grandioso permitiu que a rebelião sobrevivesse à ameaça tenebrosa da arma de destruição maciça, o aniquilador de planetas. Possibilitou vasculhar vulnerabilidades nas blueprints da sua engenharia e encontrar o seu calcanhar de Aquiles.
Nos "comandos" rebeldes que participam do golpe, ato de espionagem e intento de sabotagem, figura a versão futurista intergaláctica de cowboys, shinobis, ninjas e samurais.
Battlefront personifica a essência bélica de Rogue One que atinge o seu climax no terceiro ato, a batalha épica entre os rebeldes e o Império no planeta tropical Scarif, com direito à "brutalidade" dos Walkers imperiais, bem como X-Wings e Caças Estelares em voos rasantes ou picados, em despique e velocidades vertiginosas de perseguição, cena tão estranha e distante quanto outra galáxia ou tão familiar e próxima quanto a batalha anfíbia de Okinawa, na II Guerra Mundial.
Sobressai o tom fantasioso, algo cómico, de vermos stormtroopers equipados a rigor, em combate, num ambiente mais propenso a férias paradisíacas do que a confrontos militares.
Rogue One integra todo o aparato da civilização tecnológica emblemática de Star Wars, desde a opulência e sumptuosidade dos Cruzadores imperiais até à idiossincrasia exibida nos dróides cheios de personalidade e dotados de feições animistas, protagonizando ditos espirituosos, mas que transmitem o tal pensamento de fundo humanista. Destaque para o robô K–2SO (voz do ator Alan Tudyk) que faz as vezes dos icónicos C–3PO e R2–D2.
Mas a projeção do espírito genuíno de Star Wars só acontece quando entra em cena a mística de Darth Vader, o pérfido antagonista de arfar tenebroso e figurino de cyborg, caracterizado na sua forma e índole sombrias originais, replicadas inclusive na voz lendária do ator octogenário James Earl Jones.
De igual modo, a longa-metragem "ressuscita" o Governador Tarkin (Guy Henry), vilão formidável de Star Wars, comandante maquiavélico, frio e calculista da Estrela da Morte, empenhado em destruir a moral e esmagar a Aliança Rebelde.
No restante elenco, para além da performance extraordinária da anfitriã Felicity Jones, na interpretação da heroína Jyn Erso, destaque para a notoriedade, experiência de representação e competências cénicas de Forest Whitaker, Mads Mikkelsen e Diego Luna.
A banda sonora exuberante, de feição clássica e orquestral, mantém os traços de autenticidade da saga. Consegue catalisar o ambiente bipolar de a Guerra das Estrelas, através do instinto marcial e solenidade despóticas das "marchas" imperiais ou do tom esperançoso dos ritmos e das melodias que galvanizam a Aliança Rebelde, apesar de para os fãs ser manifesta a desilusão do exímio compositor e maestro norte-americano John Williams – companheiro de jornada cinematográfica de George Lucas – não constar dos créditos. No seu lugar figura o trabalho competente da composição e orquestração do ítalo-americano Michael Giachinno.
Os filmes de Star Wars são um teste de juventude. O seu fascínio depende da atitude com que entramos na sala de cinema. Filmes que nunca se impõem, apenas convidam ao despertar do poder da imaginação, tão simples quanto "Era uma vez..." equivalente a "A long time ago in a galaxy far, far away...". Fica à consignação do espectador ou plateias, a vontade de ver e ouvir os "contos" épicos da odisseia espacial intergaláctica, bem como decidir se temos a pachorra para reconhecer e ficar até ao "moral da estória".
No dia-a-dia, muitas das vezes nem sequer existe a paciência para o "Era uma vez..." salutar de dar largas à imaginação ou fantasia reconfortante da simples brincadeira de criança, presos no aborrecimento e anquilose do mundo sério dos adultos.
É esse o brilho dos filmes Star Wars, percebemos com que gravidade deixamos a pluralidade e a inflexão do "ser jovem" – infopobres e infoexcluídos –, de querer e arriscar descobrir o semelhante, o mundo e a vida.
Claro está que Star Wars é apenas boa ficção-científca, produto e reflexo da Globalização, nos seus defeitos e virtudes, tão fútil e inútil quanto um mero franchise cinematográfico, vive de trivialidades, mas de forma subtil, faz-nos refletir sobre o curso da existência e da civilização. Eis o segredo da sua longevidade.
Para lá da jovialidade juvenil do entretenimento pelo entretenimento, desafia a inteligência crítica e emocional, alicia a mentalidade erógena, necessárias para nos deixarmos cativar pela magia e signo multicultural de Star Wars.
Infelizmente, Rogue One – fazendo jus ao título – não exibe a abertura clássica dos filmes de a Guerra das Estrelas.
Em Rogue One, as valências multiculturais de Star Wars sustentam-se na tendência atual de "viragem feminista" exibida nas personagens principais da saga que tornam esta ficção-científica "female friendly".
A banda sonora exuberante, de feição clássica e orquestral, mantém os traços de autenticidade da saga. Consegue catalisar o ambiente bipolar de a Guerra das Estrelas, através do instinto marcial e solenidade despóticas das "marchas" imperiais ou do tom esperançoso dos ritmos e das melodias que galvanizam a Aliança Rebelde, apesar de para os fãs ser manifesta a desilusão do exímio compositor e maestro norte-americano John Williams – companheiro de jornada cinematográfica de George Lucas – não constar dos créditos. No seu lugar figura o trabalho competente da composição e orquestração do ítalo-americano Michael Giachinno.
Os filmes de Star Wars são um teste de juventude. O seu fascínio depende da atitude com que entramos na sala de cinema. Filmes que nunca se impõem, apenas convidam ao despertar do poder da imaginação, tão simples quanto "Era uma vez..." equivalente a "A long time ago in a galaxy far, far away...". Fica à consignação do espectador ou plateias, a vontade de ver e ouvir os "contos" épicos da odisseia espacial intergaláctica, bem como decidir se temos a pachorra para reconhecer e ficar até ao "moral da estória".
No dia-a-dia, muitas das vezes nem sequer existe a paciência para o "Era uma vez..." salutar de dar largas à imaginação ou fantasia reconfortante da simples brincadeira de criança, presos no aborrecimento e anquilose do mundo sério dos adultos.
É esse o brilho dos filmes Star Wars, percebemos com que gravidade deixamos a pluralidade e a inflexão do "ser jovem" – infopobres e infoexcluídos –, de querer e arriscar descobrir o semelhante, o mundo e a vida.
Claro está que Star Wars é apenas boa ficção-científca, produto e reflexo da Globalização, nos seus defeitos e virtudes, tão fútil e inútil quanto um mero franchise cinematográfico, vive de trivialidades, mas de forma subtil, faz-nos refletir sobre o curso da existência e da civilização. Eis o segredo da sua longevidade.
Para lá da jovialidade juvenil do entretenimento pelo entretenimento, desafia a inteligência crítica e emocional, alicia a mentalidade erógena, necessárias para nos deixarmos cativar pela magia e signo multicultural de Star Wars.
Infelizmente, Rogue One – fazendo jus ao título – não exibe a abertura clássica dos filmes de a Guerra das Estrelas.
Bem-vistas as coisas esta guerra sempre teve mais astros do que estrelas, a força – que "ninguém pode parar", no cantar de Nelly Furtado –, para o bem e para o mal, sempre foi mais deles do que delas. A ordem e concílio dos Jedi são masculinos por natureza. Os Sith, então, é que não querem mesmo nada com as "gajas".
As trilogia originais conferem protagonismo político à Princesa Leia (Carrie Fisher), bem como à senadora Padmé Amidala (Natalie Portman), inclusive dotam-nas de genica e coreografias guerreiras, mas verdadeiramente não conseguem demarcar-se dos clichés de género, em particular a preservação narcisista e estética das personagens.
Em Star Wars VII: The Force Awakens, Leia empodera-se na liderança máxima da Aliança, enquanto general das forças rebeldes. Mas, anteriormente, além de a porem a lutar em "bikini" dourado contra o infame e asqueroso Jabba The Hutt, custava assim tanto colocar-lhe um sabre de luz nas mãos? Afinal, Leia Organa/"Skywalker" é tão filha da "força" quanto Luke Skywalker.
Nos spin-off de animação, a personagem Ahsoka Tano – aprendiz/padawan de Anakin Skywalker – vaticinava até certo ponto, a "guinada" feminista do universo Star Wars.
Rey (Daisy Ridley) e Jyn Erso (Felicity Jones) são protagonistas feministas de pleno direito. Não aquele feminismo materialista e oportunista, porventura egocêntrico e bacoco, que perpassa nuns quantos reality shows, reforçando o paradoxo espirituoso: "as mulheres... inspiram-nos o desejo de fazer obras-primas [mudar o mundo] e impedem-nos constantemente de as realizarmos". Nem tão pouco feminismo retributivo, humilhante e vexatório, que tabela todos os homens como machistas, desvirtua em maior ou menor grau, a veracidade das realidades históricas, diaboliza o género masculino, hostiliza e rebaixa a masculinidade.
Mulheres de Star Wars personificam ontologia forte e altruísta. No "amor e na guerra" lutam por algo de superior ou transcendente, por sonhos e ideais de paz e liberdade, e sim, isso inclui, por vezes, a violência de dar porrada e desancar os outros, os maus da fita. Lideram e inspiram os homens e as mulheres que as rodeiam, suscitam sentimentos de camaradagem, são respeitadas e valorizadas sem melodramas, revisitam o feminismo cívico e de legado histórico.
Entre divas do cinema, bond girls e atrizes vedetas, sempre preferi as "meninas" da ficção-científica, representando o género cinematográfico ou televisivo mais "female friendly".
A "rainha das rainhas" Ellen Ripley, a pioneira Sigourney Weaver, heroína do universo claustrofóbico, de terror e horror da saga Alien.
Numa lógica semelhante, Milla Jovovich tem protagonizado a lendária Alice, do universo "zombie" vicioso de Resident Evil – que dá uma "cabazada" a The Walking Dead –, embora o mérito da personagem se conglomere com a realidade virtual. Com menor pendor feminista, também se poderia mencionar o seu papel em o 5.º Elemento.
Mais recente, Jennifer Lawrence figurou como a heroína contra-mundum Katniss Everdeen, na distopia The Hunger Games, bem como ficaram na retina as interpretações de Charlize Theron, no remake Mad Max: Fury Road, ou de Noomi Rapace em Prometheus, prequela de Alien.
No imaginário feminista Sci-Fi gerado no pequeno ecrã, realça-se a representatividade das "mulheres" de Battlestar Galactica, inerente às personagens de Tricia Helfer, Mary McDonnell, Katee Sackhoff, Kandyse McClure, Grace Park, Lucy Lawless.
De igual modo, ainda com maior protagonismo, destacam-se as atrizes Lena Headey em Terminator: The Sarah Connor Chronicles, e sobretudo Rachel Nichols, a líder exuberante do elenco da série Continuum, através da anfitriã Kiera Cameron.
E os exemplos poderiam continuar, mais ou menos mainstream.
E os exemplos poderiam continuar, mais ou menos mainstream.
Rogue One evolui em termos do balanço e da atitude fascinantes, à boleia do carisma da personagem interpretada por Felicity Jones, transcendendo inclusive a soberba preparação física, o fitness e o treino nas artes marciais do Kung-Fu, aos quais a atriz se dedicou no intuito de presentear o grande público com o físico, alma e espírito heroicos de Jyn Erso.
O grande ecrã é seu. "Save the dream" – da liberdade e da paz – representa o móbil e a missão difícil de Jyn que, na realidade, salva o interesse e a curiosidade exigentes dos fãs desejosos de ver mais e melhor Star Wars, guerra que verdadeiramente passou a ser protagonizada pelas estrelas... Bravo Felicity Jones!
CA
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