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DOGVILLE – Nicole Kidman

Dogville é um filme de Lars Von Trier, datado de 2003, classificado como uma película que consagra ou reúne os estilos de drama, thriller e mistério. 
Contudo, estou convicto que tal caracterização é insuficiente, porque descreve o filme ao nível meramente operativo e comercial.

Na minha maneira de ver Dogville é uma peça de teatro dividido em actos e rodada em 35 mm, o que por si só é uma ideia original, mas não está ao alcance da compreensão e do olho de todos. Como filme procura provocar no espectador um desequilíbrio cognitivo que o leve a reflectir sobre a tese e os teoremas projectados. Acrescentando mais alguns dados poder-se-á referir que Dogville faz jus ao cariz da produtora cinematográfica que o realizou e comercializou, a saber: New Age Entertainment. Por outro lado, remetendo-me às minhas palavras e entendimento, afirmo que se trata de uma peça que procura ilustrar a complexidade da natureza humana e por esse motivo para quem tiver paciência para a visionar é um bom fertilizante para a mente.

Antes de mais tentarei tecer uma breve sinopse da estória do filme. A bela fugitiva Grace (Nicole Kidman) chega a uma região isolada, o Município de Dogville em fuga de um bando de gangsters. Desde logo conta com apoio e encorajamento de Tom (Paul Bettany) auto-nomeado porta-voz da cidade que urde e acorda com a comunidade esconder Grace em troca dessa aceitar trabalhar para eles. No entanto, a partir de uma reunião da comunidade para decidir sobre o caso e problema de Grace, o povo de Dogville nos seus diversos intervenientes procura sobre pretexto de estar a fazer um favor a Grace e a coberto dos riscos de abrigar pobres e forasteiros, explorá-la e abusar dela de todas as formas. Desse modo Grace aprende que a bondade e hospitalidade naquela cidade tem um preço que ela vai pagar de alma e corpo. Contudo Grace não é nenhuma santa alada e esconde um segredo e forma de ser ardilosa, perigosa que se vai revelando a par e passo.

O que me proponho a fazer é analisar alguns símbolos e ideias plasmados no filme. Comecemos pelos símbolos, ou por outras palavras, pela estrutura simbólica bastante assente em mitos urbanos que serve a cenografia e o storyboard.
Em primeiro lugar a morte ou assassínio do filósofo com um tiro na cabeça Tom Edison
representado por Paul Bettany –, sendo que o homicida foi quem o inspirou a escrever (Grace);
Em certo acto do filme surge o presságio de 7 bibelots partidos, que no devir da peça tem correspondência clara com 7 crianças mortas e que pode ser visto ainda como os sacrifícios a pagar pelas ondas dos 7 pecados mortais que vão sendo praticadas pelas personagens do filme.
O nome estóico e Bíblico da personagem principal – Grace – é enigmático, pois no início age de acordo, sendo bondosa, simpática e caridosa, mas no desenlace revela-se como diria Ovídio uma verdadeira Bacante! que traz não graça, mas desgraça à comunidade de Dogville. Nesta personagem, nos primeiros actos manifesta-se a bondade das relações humanas, mas nos últimos actos tudo isso se converte em antítese, passando a ser o pecado nas suas diversas manifestações mortais – 7 pecados mortais – que pauta as relações de Grace com a comunidade e que acaba por destruir tudo e todos.
É pertinente referir os jogos de intensidade de luz, ora mais luzentes ora mais fuscos e penumbrosos ou soturnos, acompanhando a mudança de carácter e comportamento das personagens.
Por último em termos de símbolos é perturbador referir que o único ser vivo que não morre é o cão. Tal tem um objectivo claro de passar uma mensagem: em primeiro lugar questionar o que é a dignidade humana? Em segundo lugar é o modo de afirmar que para se viver é mais certo seguir o instinto do que a consciência! Dai o cão ser o único a sobreviver. Tal argumento explica o titulo atribuído ao filme: DOGville.

Vistos os símbolos, vejamos algumas ideias e argumentos que o filme apresenta e deixa para reflexão:

1) Ter pena de algo ou de alguém, assim como perdoar são actos de arrogância e não de misericórdia ou compaixão. Contudo não perdoar e não ter pena de igual modo são posturas arrogantes;

2) Manipular? Não manipular? Ser manipulado ou deixar-se manipular? Como é que distinguimos? Será que gerimos todas essas formas de estar e de ser de acordo com as nossas conveniências e interesses ou são os mais maquiavélicos e pérfidos os mais aptos a influenciar os seus semelhantes no sentidos desses aquiescerem aos seus desejos, vontades e caprichos?

3) Deixar a consciência de lado e seguir o instinto é um caminho viável para a Humanidade?

4) Quem é mais forte? É quem agride ou quem é agredido? Agredir não será uma demonstração de fraqueza?

5) A atitude e vontade de querer conhecer expõem-nos à fraqueza e fragilidade pois abre a porta a uma série de mecanismos de manipulação e exploração psicossomáticos.

6) Procurar captar a simpatia e/ou confiança de alguém é um erro: ninguém é confiável, a confiança não é um começo, mas um limite numa relação, não é o fim a atingir mas um princípio a manter.

7) No que diz respeito ao contacto e relações humanas tudo é ficcional, nunca conseguimos chegar ou compreender o próximo, pois os nossos filtros culturais, vivenciais e pessoais são intransponíveis e opacos.

8) Todos merecem perdão, mas não é justo perdoar.

9) O perigo está no inofensivo e naquilo que nós pensámos que é frágil e que carece de protecção, tal está personificado na personagem principal Grace.

10) Qual a fronteira entre liberdade ou abuso? São dotadas de ambivalência implicando perdas e restrições.

11) A fé é obsoleta porque a desconfiança é o princípio da vida e de tudo.

12) A honra é um nonsense pois nunca é honrada.

Em jeito de remate, no fundo moral, Dogville demonstra diversos paradoxos entre o bem e o mal.

CA

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