Sofrimento inspirador. A nova moda viral, de popularidade, globalizada através dos media e social media, redes sociais, tubes, obcecados em contar, vender e fazer notícia, novidade e curiosidade de tudo e mais alguma coisa...
Poderia ser reflexo ou manifestação da sociedade mais justa e plural, comprometida com as diferenças de identidade ou individualidade, mas integradora da diversidade, todas características essenciais à felicidade da natureza e existência humana, nas suas formas, aparências e cores distintas, considerando tanto valências como fragilidades, forças ou fraquezas.
Na realidade a moda do sofrimento inspirador não possui essa elevação, nem nobreza.
Constitui mero tique melindre, por vezes parolo, na medida em que tais pessoas deveriam ter a noção de que exibem a mesquinhez pretensiosa de se sentirem inspiradas ou motivadas pelo sofrimento e luta de superação dos outros, seus semelhantes, diferentes porque vivem com doença, deficiência, incapacidade ou enfrentam alguma angústia.
Sem o quererem tornam-se protagonistas, comparados a heróis por uma sociedade esquizofrénica que vive dividida na bipolaridade do prazer e da punição, que adere e busca consolo – nos intervalos da euforia e de ataques de consciência – no mediatismo que transforma a vida do coitadinho, do sofredor, em entretenimento, vídeos virais, rubricas televisivas trágico-cómicas, e uns quantos hashtags.
Pasmo e babo. É a evolução a acontecer à frente dos nossos olhos. Tiraram os burros da frente das carroças e puseram-nos atrás dos monitores e teclados. Mas não é para levar a mal. Devemos de dar oportunidade a todas as pessoas de provarem a si mesmas e aos outros de que são uns grandes ursos.
Falo de entretenimento porque para lá do post, do like, dos emoticons, no trato quotidiano, fora da esfera do mediatismo, no dia-a-dia que exige sensibilidade, bom-senso e capacidade de perceção dessas circunstâncias, a prática faz prevalecer preconceitos expressos nuns quantos ditos infelizes, em alguns casos intencionais, dado que a maldade existe, é real, e manifesta-se.
A moda do sofrimento inspirador sempre é um pouco melhor do que a discriminação pura e dura, ou a completa indiferença. Contudo o sofrimento não é espetáculo e as cruzes nunca serão medalhas. A vivência da felicidade não deveria de precisar desses termos de comparação nem campeonatos.
O sofredor – condição que todos sentimos em algum momento da vida – que se supera, não precisa de ser equiparado a um paladino ou arcanjo, enquanto que os outros, que rejubilam à sua custa, se continuam a divertir a serem humanos. Deixemos de lado as beatificações, conotações taumatúrgicas e a galvanização psicológica que, redigo, muitos, de forma mesquinha, buscam na pessoa que sofre.
A cultura e a sociabilidade têm as suas raízes históricas. Porventura, tal moda, mesmo com novas roupagens digitais, radica no fascínio e culto do martírio tão impregnado na matriz ocidental judaico-cristã.
Deixemos as modas, tendências virais, os hashtags repassados à desgarrada. O sofrimento não precisa de ser inspirador, na maioria das situações nunca o chega a ser, resume-se a lutas anónimas contra circunstâncias infelizes. A única atitude possível, salutar e aceitável é a compreensão.
CA
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