Hacksaw Ridge – ante-estreia nos Festivais de Veneza e do Estoril, estreia a 10 de novembro, em Portugal – personifica, no formato de drama, o filme histórico e biográfico sobre Desmond Thomas Doss, cristão pacifista, Adventista do Sétimo Dia, que, durante a II Guerra Mundial, cumpriu serviço militar como médico no exército dos EUA, mobilizado na frente sangrenta do Pacífico, em Okinawa, constituindo o primeiro objetor de consciência a ser condecorado ou distinguido com a Medalha de Honra do Congresso, em reconhecimento dos seus atos de bravura e heróicos, por salvar 75 vidas num só dia, debaixo de fogo inimigo, sem nunca empunhar e disparar qualquer arma.
Na essência, a longa-metragem – 131 mins –, realizada pelo veterano e célebre ator, realizador e produtor nova-iorquino Mel Gibson, representa um filme de guerra brutal, dotado de extrema violência, que nos atinge com a intensidade própria do horror e da carnificina, capaz de penetrar os nervos até dos espectadores mais insensíveis. Contudo não o faz de ânimo leve, mas sim no intuito de demonstrar a dificuldade prática de se assumirem convicções e comportamentos pacifistas, de bases cristãs, em tempos de beligerância exacerbada cuja lógica, na linha da frente, se resume a matar ou a ser morto. O contraste resume-se nas próprias palavras de Desmond: «While everybody else is taking life, I'm gonna be saving it. That's gonna be my way to serve.»
Biografia, drama e romance, características cinematográficas acrescidas de momentos de horror, fator que importa salvaguardar em função da sensibilidade das plateias à violência, Hacksaw Ridge integra a categoria dos filmes históricos até à medula, situado entre 1929 e 1945.
No âmbito dos pontos-chave do drama, retrata por meio de flashbacks a infância e formação das convicções cívico-religiosas de Desmond T. Doss – interpretado pelo ator Andrew Garfield, protagonista dos filmes The Amazing Spider-Man –, bem como a vivência cor de rosa do namoro com Dorothy Schutte – interpretada pela atriz Teresa Palmer –, idílio compaginado com as vivências controversas da recruta, face às consequências sociais ou de popularidade negativas resultantes dos limites impostos pela consciência e convicções de Doss, em razão da incompreensão, ostracismo e bulliyng dos oficiais, instrutores e sobretudo dos camaradas recrutas, mediante provocações, assédio moral, acusações de anti-patriotismo e de covardia, refutadas através dos atos heróicos na linha da frente, após ser autorizado a servir sem ter de matar ou utilizar armas, salvando 75 vidas – inclusive dois nipónicos –, por detrás das linhas inimigas japonesas, sob o pano de fundo da terrorífica batalha anfíbia de Okinawa, feitos que lhe valeram o reconhecimento, valorização e defesa dos seus companheiros de combate, mas não de armas. Eventualmente, o próprio Desmond Doss foi ferido por granada e baleado por franco-atiradores.
No âmbito dos pontos-chave do drama, retrata por meio de flashbacks a infância e formação das convicções cívico-religiosas de Desmond T. Doss – interpretado pelo ator Andrew Garfield, protagonista dos filmes The Amazing Spider-Man –, bem como a vivência cor de rosa do namoro com Dorothy Schutte – interpretada pela atriz Teresa Palmer –, idílio compaginado com as vivências controversas da recruta, face às consequências sociais ou de popularidade negativas resultantes dos limites impostos pela consciência e convicções de Doss, em razão da incompreensão, ostracismo e bulliyng dos oficiais, instrutores e sobretudo dos camaradas recrutas, mediante provocações, assédio moral, acusações de anti-patriotismo e de covardia, refutadas através dos atos heróicos na linha da frente, após ser autorizado a servir sem ter de matar ou utilizar armas, salvando 75 vidas – inclusive dois nipónicos –, por detrás das linhas inimigas japonesas, sob o pano de fundo da terrorífica batalha anfíbia de Okinawa, feitos que lhe valeram o reconhecimento, valorização e defesa dos seus companheiros de combate, mas não de armas. Eventualmente, o próprio Desmond Doss foi ferido por granada e baleado por franco-atiradores.
Entre as personagens secundárias destacam-se nomes de atores conhecidos: Rachel Griffiths, Vince Vaughn e sobretudo a craveira de Hugo Weaving, ex-The Matrix, Lord of the Rings e The Hobbit.
Na qualidade de "filme-tese", o mérito de Hacksaw Ridge consiste em promover a reflexão sobre o tema da liberdade e consciência, ao apelar a valores como fé, família, amor e perdão num mundo dominado pela intolerância e conflitos intrínsecos ao ambiente histórico da II Guerra Mundial. Nessa medida, retrata um herói de guerra improvável cujas coragem e bravura resultaram do cristianismo pacifista, embora sofresse na pele a punição pelo assumir de convicções não convencionais, granjeando respeito e heroicidade à custa de enfrentar ou suportar sofrimento pessoal sobre-humano.
Quantas vezes no cinema, a exaltação das liberdades cívicas e lutas pessoais pela sua conquista merecem aplauso ou elogio, mas na vida real, em situações e pessoas que estão a pedir respeito mesmo à frente do nosso nariz, somos os primeiros a negá-lo, só porque afeta os nossos interesses, ambições pessoais ou vaidades.
Tudo isto à distância de um bilhete e cadeira de cinema ou, porventura, para muitos de nós, talvez mais perto do que isso, tão próximo quanto uma boa conversa de sofá com os nossos pais ou avôs, que também fizeram o serviço militar em tempos de conflito armado, como por exemplo a Guerra Colonial (1961-1974). Mas nem tudo são virtudes em Hacksaw Ridge.
De certa forma, o tom introspetivo inspirador é engolido pelo horror e esquizofrenia das cenas de combate, que exibem crânios a explodir, tripas de fora, corpos esfrangalhados e estropiados, realismo demasiado cru, um autêntico banho de sangue.
De certa forma, o tom introspetivo inspirador é engolido pelo horror e esquizofrenia das cenas de combate, que exibem crânios a explodir, tripas de fora, corpos esfrangalhados e estropiados, realismo demasiado cru, um autêntico banho de sangue.
Noutra perspetiva, bem ao estilo hagiográfico, a realização de Mel Gibson confere roupagem puritana a Desmond Doss, a qual serve o efeito melodramático pretendido, mas transforma-o numa espécie de "santo" pós-moderno capaz de ser aceite pelo grande público, contudo peca por incorrer no "falso-moralismo norte-americano", bem como implica um certo desvirtuar das suas crenças religiosas originais: Adventista do Sétimo Dia.
De igual modo, associada à feição hagiográfica pró-americana, para lá da narrativa pacifista em tempos de guerra, sobressaem juízos de valor indevidos, que conotam os EUA aos "bons da fita" e os japoneses aos demónios de serviço.
No plano do elenco, apesar de Andrew Garfield ser um ator jovem em ascensão, de reconhecido êxito entre a "geração do milénio", a interpretação de uma personagem real com uma História de vida tão dramática quanto a de Desmond Doss, talvez requeresse um ator mais experiente.
Por fim, a magnitude épica da intriga merecia que as filmagens privilegiassem cenários reais. Para o espectador mais atento, nas cenas mais paradas, são percetíveis diversas imagens feitas por computador (SGI), circunstância que prejudica a naturalidade e fluência da História.
O ambiente, estilo e cenografias de Hacksaw Ridge suscitam comparações com outros filmes e séries. A atmosfera de carnificina, horror e suplício enfrentados pelo protagonista, remetem para Braveheart (1995) e A Paixão de Cristo (2004), enquanto o drama de época, que retrata o contexto histórico da II Guerra Mundial, dotado de feições violentas extremas, revisita o filme Saving Private Ryan/O Resgate do Soldado Ryan (1998) a par das aclamadas mini-séries Band of Brothers/Irmãos de Armas (2001) e The Pacific (2010).
Hacksaw Ridge é um filme aliciante, bem filmado, encenado e com enredo sólido, realizado enquanto biopic, género bastante apreciado pelo grande público norte-americano e pela Academia de Hollywood, com o intuito de ser um dos fortes candidatos a ganhar os Óscars.
CA
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