Alien: Covenant – estreia em cinema, desde 18 de maio, em Portugal – mantém as características exuberantes de filme de ficção científica espacial futurista de culto enquanto prequela da conceituada saga cinematográfica de horror, assim como sequela da longa-metragem Prometheus (2012), que desencadeou a dinâmica tanto especulativa quanto hermenêutica sobre a génese intrigante da espécie ou forma de vida alienígena hostil aos seres humanos, representando criaturas ácidas, de feições monstruosas, amorais e extremamente mortíferas, batizadas por antonomásia como Xenomorfos.
Alien: Covenant continua a fazer jus ao legado cinematográfico rubricado por Ridley Scott, cognominado com a devida mestria de “criador de universos”. Mais. A aventura sideral interplanetária atinente a The Martian (2015), realizado precisamente por R. Scott e protagonizado por Matt Damon, constituiu decerto um bom ensaio para aprimorar os efeitos especiais, composição virtual e o enredo dotado de suspense catalisados por Covenant.
Com efeito, a acuidade visual, a extrema qualidade dos gráficos e físicas em perfeita osmose com os cenários construídos ou paisagens naturais, mais a intensidade inquietante da ação, suscitam certamente grande qualidade hedónica nos cinéfilos em geral e entusiastas da saga em particular, a ponto de esquecermos que, conforme o género do filme, estamos perante um thriller repleto de momentos de terror físico e psicológico indutores de tensão sistemática.
Além da soberba qualidade e envolvência dos efeitos digitais a par do frenesim decorrente do desenrolar da trama, Covenant conglomera diversas valências antropológicas inerentes às questões ontológicas e axiológicas sugeridas na intriga, tais como: livre-arbítrio, dilemas e absolutos morais, amor, dever, sacrifício, altruísmo, egoísmo, confiança, traição, civilização, caos. Esses atributos dramáticos radicam na indagação primordial: de onde viemos? Aliás, o enigma consiste no pressuposto da série Alien.
Nessa perspetiva, a diegese de Prometheus especulou sobre as origens do Homem e dos Xenomorfos, sustentada em bases metafísicas e ritualísticas de inspiração mitológica ou folclórica – sobretudo evocações egípcias ou mesopotâmicas –, revelando também algumas nuances sobre os criadores de ambas as espécies, associados a uma raça intergaláctica ancestral de gigantes humanoides denominada por Engenheiros, cujas motivações civilizacionais no sentido da interferência na vida de outros sistemas planetários, quer em termos construtivos, quer destrutivos, são bastante ininteligíveis.
[Spoiler alert]. Por seu turno, Covenant desvenda grande parte dos mistérios intrínsecos à saga alienígena, através da cosmovisão mais pragmática assente em perceções e representações científico-técnicas e biológicas sem excluir axiomas Bíblicos ou de matriz sociocultural judaico-cristã, complementando a dinâmica dos filmes de Alien, que concatenam evolucionismo e criacionismo, exercem provocação ou antagonizam a fragilidade da natureza humana, assim como plasmam conflitos de poder ou domínio e respetivos jogos psicológicos entre criaturas e criadores: humanos; humanoides; robôs; androides; inteligência artificial; Xenomorfos.
[Spoiler alert]. Alien: Covenant remete para a missão da nave de colonização espacial homónima, situada em 2104 – cerca de 10 anos após os eventos nefastos de Prometheus –, constituída por uma equipa expedicionária multidisciplinar formada pela tripulação, navegadores e pilotos estelares; cientistas em geral, cientistas espaciais, astrofísicos; engenheiros em geral, engenheiros espaciais, planetários e terraformadores, mecânicos, informáticos; biólogos, físicos, botânicos, geólogos, médicos, geneticistas, etc. Além das pessoas, a USCSS (United States Commercial Starship) Covenant transporta embriões humanos, ambos subjacentes à diretriz de implantar uma colónia, terraformar e explorar o planeta remoto Origae-6. Contudo, um acidente originado por erupção estelar durante a recarga fotovoltaica dos sistemas energéticos da USCSS Covenant, obriga ao despertar forçado do híper-sono criogénico da tripulação essencial no sentido de se efetuarem as reparações necessárias na nave-mãe.
[Spoiler alert]. Eventualmente, a tripulação capta uma transmissão rádio subespacial enigmática, de origem humana, procedente de um planeta desconhecido, mas localizado num quadrante próximo, dotado de condições paradisíacas inerentes à integração na faixa habitável, apto à colonização humana sem necessidade de terraformação. A radiocomunicação póstuma pertence a Elizabeth Shaw (Noomi Rapace), difundida a partir da nave dos Engenheiros utilizada tanto para escapar como atacar o planeta originário dos gigantes humanoides, após os eventos catastróficos da missão Prometheus, em 2094.
[Spoiler alert]. Na realidade, a tripulação da USCSS Covenant imerge no embuste criado pelo androide sugestivamente denominado David – interpretado pelo competente Michael Fassbender –, o único sobrevivente da missão Prometheus, o qual roubou a engenharia dos “deuses gigantes”, tal como Prometeu, concernente a armas biogénicas sob a forma de vírus patogénico e mutagénico propagável mediante dispersão aérea de esporos que, por sua vez, originam neomorfos: por razões beligerantes desconhecidas até ao momento, a raça intergaláctica dos Engenheiros desenvolveu esse arsenal. Mais. De forma genocida, David utilizou parte das armas biológicas da nave bombardeiro na qual escapou, conjuntamente com Elizabeth Shaw, para exterminar a população autóctone dos Engenheiros.
[Spoiler alert]. De forma cumulativa, entre 2094 e 2104, estabelecido no antigo planeta e capital dos gigantes humanoides ancestrais, entretanto transformada em necrópole, o androide estudou o armamento biológico dos Engenheiros e desenvolveu experiências genéticas cujo ponto culminante implicava o uso do ADN e capacidades fisiológicas dos humanos enquanto hospedeiros. Nesse sentido, atraiu e ludibriou a tripulação da USCSS Covenant. O resultado final: David é o criador e mentor dos Aliens!
[Spoiler alert]. Na diegese de Prometheus e Covenant, o sintético David personifica tiques megalómanos egotistas a par do complexo de deus e a aparente revolta contra os seus criadores humanos. Em termos de auto-exegese, a predileção pela música A entrada dos deuses em Valhala, de 1854, do maestro e compositor Richard Wagner, integrada na ópera O ouro do Reno, a primeira parte da tetralogia O anel de Nibelungo, assim como a fixação por citação taciturna do soneto Ozymandias, de 1818, do poeta romântico inglês Percy Bysshe Shelley, concretamente «Meu nome é Ozymandias, rei dos reis: Contemplem minhas obras, ó poderosas, e desesperai-vos!», representam referências culturais que, de forma paradoxal, captam a perfídia do androide, conquanto esse comportamento radique numa eventual diretiva secreta na sua programação, congruente com interesses corporativos mais obscuros da Weyland Industries – posteriormente reorganizada por fusão empresarial no consórcio Weyland-Yutani –, na medida em que David representa o primeiro protótipo e modelo sintético da sua gama, desenvolvido pelo próprio fundador e CEO do conglomerado industrial, Peter Weyland, que, já na velhice, financiou a expedição Prometheus e viajou em segredo com essa tripulação no intuito de concretizar o desejo de obter dos Engenheiros o elixir da juventude, aliás, programou David para empreender essa demanda. Mais. Na saga Alien, grande parte da incapacidade de sobreviver ou de exterminar a espécie alienígena hostil resultam da própria ganância e traição entre humanos, quer por diretivas dormentes dos sintéticos, quer por parte dos quadros da companhia Weyland-Yutani, caracterizada como empório ávido e sem escrúpulos que ambiciona instrumentalizar os Xenomorfos para armamento biológico, fármacos, vacinas, etc.
[Spoiler alert]. Alien: Covenant sustenta-se na estrutura onírica do pesadelo. A tripulação da USCSS Covenant embarca numa missão utópica de colonização de um planeta remoto, desperta violentamente do híper-sono criogénico e, de forma caótica, mergulha num ambiente sinistro, distópico e claustrofóbico inerente à experiência de sobrevivência limite de inspiração darwiniana ou lamarckista.
No global, Covenant sabe a pouco, desde logo porque continua a faltar o magnetismo da heroína Ellen Ripley, proporcional à competência e carisma da atriz Sigourney Weaver, assim como a metanarrativa de Alien talvez requeresse uma explicação mais inata para a etologia e filogénese dos Xenomorfos. Mais. Alien: Covenant redunda no remake das melhores cenas, efeitos especiais e espírito terrífico da saga original, atributos que, face à longevidade e efeito blockbuster da série cinematográfica, podem conotar-se a meras redundâncias e banalidades.
No entanto, a longa-metragem mais recente de Alien comprova que, em termos da qualidade e interesse suscitados por filmes de ficção-científica, a fórmula da franquia mantém-se impactante.
CA
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