Tal e qual como Goya, mas sem fantasmas, convido a entrarem no meu quadro de Natal, as minhas emoções, sentimentos, percepções e experiências.
Este ano decidi entregar o meu espírito ao momento, à celebração, à efeméride, tendo por base certas regras de comportamento, princípios e valores: ser gentil, solicito, polite, snob, recatado e empírico.
Remeta-se a Natividade para segundo plano e focalizemos o cerne e a essência do Natal. É o mesmo que dizer deixemos a palha e passemos aos embrulhos. Podemos manter os burros...
Tal e qual como os "Reis Magos" preparamos e planeamos a nossa demanda... Não temos uma estrela para nos guiar, mas na estrada encontramos à mesma muitos camelos... Ouro, incenso e mirra... Hoje seria joalharia, relojoaria, fragâncias, perfumaria, cosmética... Hm, sem dúvida que são um bom começo para fazer um portfólio de gifts...
Mas afinal, qual é o significado de oferecer uma prenda no Natal? Não sei. Só posso exteriorizar aquilo que sinto. Tal oferta é uma canal, uma gondola veneziana que nos coloca em sintonia e na mesma onda com a pessoa presenteada. Uma prenda é sinal de reconhecimento, afecto, delicadeza e gentileza...
Tem sempre uma utilidade... Representa o bem que se quer fazer e compartilhar, assim como a noção de "bom gosto" do Mago ofertante... Uma prenda tem suspense e mistério... Transporta-nos para a viagem e o trajecto percorrido para a obter... A prenda é speculum que desvenda a autenticidade ou ardis do gesto...
Mercadores venezianos e consumidores babilónios entram em diálogo e agiotagem. Os primeiros consomem os segundos... Mas nos dias super modernos que correm e às vezes voam, os mercadores não são nada bacocos... Possuem professional approach, que é como quem diz "Bom Natal!", "Feliz Natal!" e "Obrigado!" antes e depois da compra feita... Pelos vistos hoje em dia os bons modos têm preço, venda e mercado...
Quero partilhar algo que me apoquenta desde há algum tempo. Quando entro numa loja e o tal mercador se aproxima e me aborda dizendo "precisa de ajuda?" vou deixar de responder "estou só a ver..." e vou passar a relatar todos os meus problemas, recalcamentos e frustrações... perturbações e distúrbios existenciais... mas acho que no fim esse mercador me diria "só estava a ver se precisava de ajuda!"...
Pois é, somos todos generosos enquanto meros voyeurs e espectadores do sofrimento dos outros... afinal quanto mais não seja, a desgraça alheia é sempre bom tema de conversa... Entre mercadores e compradores lá se perde a factura de sinceridade da quadra...
Formas de tratamento e de abordagem. Detesto ser tratado por termos como cliente. O que é isso? Depois lá vem um "Senhor" de permeio ao que costumo retorquir "O Senhor está no Céu!"... O ágil mercador recorre à sua pronta verborreia e trata-me por menino, ao que respondo "O menino está na manjedoura!"... Comprar prendas é como comer profiteroles com uma diferença... O mercador fica com o profit e nós com os roles... Perdoem a piada seca... Nada que a rabanada e o Bolo-Rei não resolvam...
Por falar em roles, aproveito para me referir às minhas cadeaux preferidas como regalo ou oferta... Chocolates... Dos Belgas aos Suíços é só escolher e dar um uso Mago ao visa ou multibanco...
Adentramos por umas horas num Club Gourmet e já não queremos sair de lá... Neuhaus, Guylian, Lindt, Godiva, e porque o nacional é bom, há que referir a chocolateira nacional mais antiga, Avianense... Chocolatier artesanal é outra coisa, é outra dimensão. Dos comodos até aos bombons é uma viagem e tanto de sabor, paladar, aroma, contemplação e degustação... Em poucas palavras é a fruição total... um verdadeiro êxtase... Dá vontade de me transformar num Mini-Eu e escorregar para dentro da caixa de chocolates para depois mergulhar e banhar-me em correntes e marés de chocolate, sair em línguas de chocolates com pedaços de avelã e voltar a cafunhar no Deeply Dark Chocolat para depois vir à tona do White da cobertura ou então deixar-me arrastar pelas quedas e rápidos do recheio...
Podem não acreditar, mas é verdade. A seguir à indústria petrolífera é a chocolateira que movimenta maior volume, capital e lucro... Por isso sejam amigos do ambiente, passem a comprar e a comer chocolates, encostem o carro e andem a pé...
Engraçadas são as sinestesias que acompanham os enfeites e iluminações natalícias das ruas pedonais ou passeios. "Na rua mais bonita de Portugal!" como referia o meu colega de jornada – Rua de Santa Catarina (Porto) – escutei e ouvi o seguinte: "Olha, era um cheiro que nunca tinha visto!"... Pensamento mais que singelo, "já agora também devia de ser uma imagem ou vista que nunca tinha cheirado!"...
Mas de facto a Rua de Santa Catarina está bem engalanada com belos enfeites de Natal... Nos Aliados tem um Sino de formato, morfologia e geometria duvidosa...
Acho que me vou divertir mais a ver as pessoas acesas do que as ruas...
Já que a toada está nos odores e fragrâncias, este ano determinei como essencial comprar velas aromatizadas para exalar felicidade no lar... Escolhi aromas de chocolate e de canela... Coloquei as velas nos suportes, puxei o pavio, abeirei-me do isqueiro e mãos à obra... Percebi na minha própria pele porque é que o uso e produção do fogo foi o 1.º grande avanço civilizacional... É que na 1.ª tentativa em vez de incandescer a vela acendi e dei lume ao meu polegar... ufa... Lá diz o povo quem brinca com o fogo...
Calor por calor prefiro o humano... Mas de facto aquela jovem tinha razão... Consegui ver e cheirar a essência da canela e do chocolate que exalaram um travo aprazível pela casa na véspera de Natal... Digam ao Vasco da Gama que a Canela dava luz e digam-me a mim que o chocolate ilumina que ambos não acreditaríamos...
Tenho uma proposta a fazer... Já despachávamos o gordo e o obeso do Pai Natal para Custóias... Explora renas... Viola os direitos dos animais... Explora o trabalho infantil e a UNICEF nem ai diz... Explora as crianças... Para além disso entope chaminés e as prendas nunca cabem nas meias... Anda de trenó perturbando o tráfego aéreo... Tem uma barba grisalha multissecular onde certamente pululam bactérias em abundância... A juntar a tudo isso veste de vermelho e branco... Ainda por cima sabem onde ele mora. É na Lapónia e no caso do concelho do Porto faz escala em São Nicolau... Já o encarceravam e ofereciam uma gilete...
Nem de propósito... Vi umas "Mães-Natais" com sotaque e com a maior parte do body ao leu... e digam lá caros amigos se não era bem pensado deixarem o velhote de lado e porem as jovens Mamãe Noël a distribuir prendas... Igualdade de oportunidades acima de tudo!
O consumismo de Natal não está nos artigos e bens. Está nos slogans publicitários que invadem a nossa mente e imaginário e nos automatizam para frases e expressões como: "Nexpresso, What Else!" ou "Se eu não gostar de mim, quem gostará?"... Mas há uma que não me sai da cabeça: "E tu, já comeste fruta hoje?"
Faço um interlúdio para agradecer a todos os amigos/as que me aconselharam e acompanharam na árdua tarefa das compras de Natal entremeadas com lanches, boas conversas e boas guloseimas.
Destaco ainda o meu dia de Natal... Um chá de cidreira para que corpo e espírito despertassem e ficassem cálidos, numa manhã fria, mas solarenga de Dezembro onde não corria a tradicional brisa crepitante. Tal despertou logo a pulsão, desejo e apetite de ir até à beira-mar para uma promenade matinal...
A temperatura estava amena, o sol tinha vigor para aquecer... a maresia e o odor do iodo abriram-me o apetite para o almoço de Natal... Da parte da tarde, já por hora do pôr-do-sol, circulo à velocidade do passo de caracol, mas acreditem que tal périplo foi muito intenso e vertiginoso... Os raios oblíquos do sol equinócio perpassaram a minha íris e alumiaram a minha tez. O crepúsculo que se afigurava prometia e parecia ser sublime. Foi o melhor postal de natal que ficará para sempre na retina e memória, mas sempre presente.
O pôr-do-sol vestiu-se e trajou a preceito no fim do dia de Natal. Tal e qual como uma écharpe colorida ou uma palete de pintor os seus tons misturaram-se em pinceladas ou guache de dourado, orange e púrpura servidos por fundo alvi-celeste, de prata e roxo nevo. A sua pose foi magnifica e esbelta no abaco do lusco-fusco.
Desde a orla marítima de Gaia – S. da Pedra – até ao Passeio Alegre na margem duriense senti-me passear como se estivesse sentado junto à lareira. O fim do dia terminou em surdina e cochilo. Bom Natal meus amigos/as. Nada de enfiar barretes. Dá azar.
CA
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