Regresso às aulas. Estas coisas também acontecem aos professores, não é mero fado – ou, para alguns docentes e discentes, enfado – dos mais petizes.
Primeiro dia como professor dos moçoilos. Retempero o meu ar ensonado com os raios de sol que irrompem pelos frisos da janela do quarto, porque esta rotina de ensinar é como deixar os maus hábitos ou boa-vida de solteiro. O fado rebuliço de Ana Moura dá o mote: «Cada dia é um bico d’obra (…)».
A cabeça matuta no dogma pedagógico-didático “never smile before Christmas”, temeroso de pirralhos, fedelhos e enfants terribles, pseudofobias ministradas pela mentalidade mais corriqueira das psicologias da educação ou psicologia das emoções e comunicação que, pretensamente, auxiliam as experiências de ensino-aprendizagem, quiçá saudosistas de se dar a mão à palmatória, conquanto a minha vontade se incline mais para o aforismo humanista de Eleanor Roosevelt (1884-1962): «The future belongs to those who believe in the beauty of their dreams.». Encontro-me em apuros. Como é que eu posso sonhar se, para ser bom professor, não posso sorrir à criançada até ao Natal? Nem mesmo um sorrir com os olhos por altura do verão de S. Martinho, ou o esboçar de uma risada pueril na época do Magusto?
Neste “desfado” existencial ambivalente, repleto de “Mixed Emotions”, no cantar rezingão de The Rolling Stones, resolvo fitar a prudência e ousadia das gentes de brandos costumes, bravos portugueses, meus antepassados, argonautas diligentes, que com modinhas de fado, à revelia de mitos e lendas, do Leviatã, entre outros temíveis monstros marinhos, “por mares nunca dantes navegados”, “deram novos mundos ao mundo”.
O fado oximoro de Ana Moura aclara e sublima as sensações do momento: «Sentir-me triste, só por me sentir tão bem, e alegre sentir-me bem, só por eu andar tão triste». “Terra à vista!” A sala de aula balbucia alegria, borbulham sorrisos curiosos, retribuo as emoções e contento-me em ser professor dos bambinos. Este ano, atrevo-me a sorrir e a sonhar.
CA
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