Eis-nos caídos num Apocalipse nuclear. Uma espécie de 3.ª Guerra Mundial despoletou tamanho desiderato.
A sociedade desagregou-se vivendo no caos e anomia. O instinto de sobrevivência mantém os que restam vivos, organizados sob a forma de bandos e pequenas urbes acicatadas e dirigidas pela égide de uns quantos caudilhos.
A sociedade desagregou-se vivendo no caos e anomia. O instinto de sobrevivência mantém os que restam vivos, organizados sob a forma de bandos e pequenas urbes acicatadas e dirigidas pela égide de uns quantos caudilhos.
Tal cenário afigura-se rocambolesco, hardcore e desolador.
Deformações físicas, deserto e avareza nuclear, violações, barbarie, vendeta, banditismo, rapina e canibalismo estão na ordem do dia.
A água potável e as suas fontes converteram-se no novo ouro negro. Diversos bandos e caudilhos disputam o seu controlo e fazem negócio com quem a pode pagar a preço de ouro. Por outro lado a irradiação nuclear tornou a visão num dos sentidos mais escassos, sendo poucos aqueles que a conservam e usufruem... Idiossincrasias tecnológicas surgem em tom quase caricatural. Por exemplo o ipod convive lado a lado com o gramafone. Entre arcaísmos e anacronismos o próprio Book of Eli, considerando a sua encadernação, afigura-se a um códice incunábulo.
A Humanidade vive dias de decadência periclitante. Todos os valores civilizacionais se evanesceram. No que poderia muito bem ser o dizer de Th. Hobbes regredimos para uma sociedade e economia em estado primitivo ou natural. Troca por troca, favor por favor, lei de talião, strugle for life perfazem a axiologia imperante.
É neste contexto que surge Eli, uma espécie de eremita que viaja caminhando e sondando por vestígios da sociedade e civilização perdida de Th. Hobbes, transportando consigo um livro misterioso, muito cobiçado do qual é guardião, protegendo-o com a sua vida se necessário. Uma espécie de áurea divina inflama e ala a sua missão.
Tal livro é um exemplar da Bíblia. Duas cosmovisões para com Ela. A de Eli que a vê como fonte de sabedoria, felicidade, verdadeiro progresso e a pedra angular dos fundamentos para relançar a civilização, e ao invés, a sustentada por um caudilho que A busca pois Essa "contém as palavras que as pessoas querem ouvir!" procurando usá-la para exercer tirania, arregimentar e invocar cruzadas de modo a expandir o seu domínio e controlo territorial. Em duas palavras, uma é humanista e a outra despótica.
Essa procura exasperada da Bíblia, tanto por uma visão como por outra parece realçar o seu valor e carácter intemporal e cíclico. Com efeito, numa era apocalíptica nada como voltar a reencontrar o Génesis. Tal pecúlio parece ser o móbil do seu guardião e salteadores.
Passagens do livro de Salmos, epístolas de Paulo e outros excertos dos Evangelhos, entre os quais o relato da Criação, tem lugar de citação e recitação.
Eventualmente Eli consegue alcançar o último reduto e bastião civilizacional em Alcatraz, São Francisco. É ai que entrega o seu exemplar da Bíble of King James para ex-libris, a constar lado a lado com outras obras culturais cuidadosamente curados e arquivados numa espécie de Arca-Museu à espera de novo uso. A Bíblia cintila como património maior em redor de outras obras artísticas como Mozart, Descartes, Kant, Bach, etc...
A este propósito, o filme aproveita a oportunidade para lançar a questão da Bíblia relíquia – uma espécie de arca da aliança, protegida e escondida de tudo e todos e só manuseada por uns quantos – versus a Bíblia como prática e guia ético e vivencial.
Ironia das ironias, a versão do exemplar de Eli é em braile. Eli recita a Bíblia box-to-box de forma decorada – pois acaba por ficar cego – para que o Cura num trabalho autêntico de monge copista a manuscreva para futura impressão no prelo. Por vezes lemos, mas não vemos o que está escrito. O filme acaba por recorrer à exploração da ideia da cegueira em sentido lato.
A tese do filme poderia muito bem ser a de que o fundamento da civilização não é a economia nem a força ou poder, mas sim a cultura. É ela que verdadeiramente nos protege. De tal facto advirá o simbolismo da cidade de São Francisco convertida na última pária civilizacional cujo a missão de relançar as bases culturais faz jus aos pressupostos históricos e simbólicos que remetem para a Ordem mendicante de S. Francisco.
Numa análise às influências de pensamento e para concluir, o filme situa-se claramente na linha das distopias a par de alguns aspetos das utopias de fim de século nos ditames de um Al. Huxley ou G. Orwell, com críticas à sociedade pós-moderna, recuperando tradições irracionais medievais entre as quais todos os motivos catárticos e ex-votos da ars moriendi e a cosmogonia associada à ideia escatológica do mundum senescit, o mundo caminha para o abismo e decadência. Curiosamente não há espaço para o ecumenismo. O que parece valer é a unidade de tudo, a começar pelo valor da Bíblia, sem associação a qualquer denominação, uma ideia, não obstante, um tanto ó quanto Luterana: sola scriptura.
Deformações físicas, deserto e avareza nuclear, violações, barbarie, vendeta, banditismo, rapina e canibalismo estão na ordem do dia.
A água potável e as suas fontes converteram-se no novo ouro negro. Diversos bandos e caudilhos disputam o seu controlo e fazem negócio com quem a pode pagar a preço de ouro. Por outro lado a irradiação nuclear tornou a visão num dos sentidos mais escassos, sendo poucos aqueles que a conservam e usufruem... Idiossincrasias tecnológicas surgem em tom quase caricatural. Por exemplo o ipod convive lado a lado com o gramafone. Entre arcaísmos e anacronismos o próprio Book of Eli, considerando a sua encadernação, afigura-se a um códice incunábulo.
A Humanidade vive dias de decadência periclitante. Todos os valores civilizacionais se evanesceram. No que poderia muito bem ser o dizer de Th. Hobbes regredimos para uma sociedade e economia em estado primitivo ou natural. Troca por troca, favor por favor, lei de talião, strugle for life perfazem a axiologia imperante.
É neste contexto que surge Eli, uma espécie de eremita que viaja caminhando e sondando por vestígios da sociedade e civilização perdida de Th. Hobbes, transportando consigo um livro misterioso, muito cobiçado do qual é guardião, protegendo-o com a sua vida se necessário. Uma espécie de áurea divina inflama e ala a sua missão.
Tal livro é um exemplar da Bíblia. Duas cosmovisões para com Ela. A de Eli que a vê como fonte de sabedoria, felicidade, verdadeiro progresso e a pedra angular dos fundamentos para relançar a civilização, e ao invés, a sustentada por um caudilho que A busca pois Essa "contém as palavras que as pessoas querem ouvir!" procurando usá-la para exercer tirania, arregimentar e invocar cruzadas de modo a expandir o seu domínio e controlo territorial. Em duas palavras, uma é humanista e a outra despótica.
Essa procura exasperada da Bíblia, tanto por uma visão como por outra parece realçar o seu valor e carácter intemporal e cíclico. Com efeito, numa era apocalíptica nada como voltar a reencontrar o Génesis. Tal pecúlio parece ser o móbil do seu guardião e salteadores.
Passagens do livro de Salmos, epístolas de Paulo e outros excertos dos Evangelhos, entre os quais o relato da Criação, tem lugar de citação e recitação.
Eventualmente Eli consegue alcançar o último reduto e bastião civilizacional em Alcatraz, São Francisco. É ai que entrega o seu exemplar da Bíble of King James para ex-libris, a constar lado a lado com outras obras culturais cuidadosamente curados e arquivados numa espécie de Arca-Museu à espera de novo uso. A Bíblia cintila como património maior em redor de outras obras artísticas como Mozart, Descartes, Kant, Bach, etc...
A este propósito, o filme aproveita a oportunidade para lançar a questão da Bíblia relíquia – uma espécie de arca da aliança, protegida e escondida de tudo e todos e só manuseada por uns quantos – versus a Bíblia como prática e guia ético e vivencial.
Ironia das ironias, a versão do exemplar de Eli é em braile. Eli recita a Bíblia box-to-box de forma decorada – pois acaba por ficar cego – para que o Cura num trabalho autêntico de monge copista a manuscreva para futura impressão no prelo. Por vezes lemos, mas não vemos o que está escrito. O filme acaba por recorrer à exploração da ideia da cegueira em sentido lato.
A tese do filme poderia muito bem ser a de que o fundamento da civilização não é a economia nem a força ou poder, mas sim a cultura. É ela que verdadeiramente nos protege. De tal facto advirá o simbolismo da cidade de São Francisco convertida na última pária civilizacional cujo a missão de relançar as bases culturais faz jus aos pressupostos históricos e simbólicos que remetem para a Ordem mendicante de S. Francisco.
Numa análise às influências de pensamento e para concluir, o filme situa-se claramente na linha das distopias a par de alguns aspetos das utopias de fim de século nos ditames de um Al. Huxley ou G. Orwell, com críticas à sociedade pós-moderna, recuperando tradições irracionais medievais entre as quais todos os motivos catárticos e ex-votos da ars moriendi e a cosmogonia associada à ideia escatológica do mundum senescit, o mundo caminha para o abismo e decadência. Curiosamente não há espaço para o ecumenismo. O que parece valer é a unidade de tudo, a começar pelo valor da Bíblia, sem associação a qualquer denominação, uma ideia, não obstante, um tanto ó quanto Luterana: sola scriptura.
CA
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