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HISTÓRIA NO FEMININO – (Crónica)

É lugar comum a ideia de que o género feminino foi sistematicamente dominado e explorado pelo género masculino ao longo da História. Tal parecer é em grande medida falacioso, gizado pelo feminismo exacerbado do 3.º quartel do século XX, que estabeleceu sofismas inverosímeis e generalistas acerca do papel, lugar e acção das mulheres na História de modo a robustecer o seu combate.

Comecemos pelo Antigo Egipto. Eram numerosos os tratos diferenciados que se tinham com as mulheres. Foi a primeira civilização a preocupar-se com cuidados de obstetrícia. Em todas as cidades existia a denominada mamisis onde as progenitoras podiam de forma confortável e assistida – nos ditames dos limites científicos e tecnológicos da época – ter os seus partos. De igual modo as mulheres eram livres de ocupar cargos na hierarquia administrativa desde que tivessem o cursus honorum e a formação devida. No Egipto as mulheres não eram tratadas como objectos, pelo contrário, até as bailarinas que animavam as festas em honra do Faraó e dos deuses pertenciam a escolas e academias, não eram bailarinas de tricote. Ainda no Egipto é mister referir duas mulheres de grande importância na História. A mais que conhecida Cleópatra que contribuiu largamente para a estoria e intrigas da conversão da República Romana em Império resultante da morte de César e da formação do 2.º triunvirato constituído por Marco António, Octávio e Lépido, sendo que o vencedor foi Octávio então proclamado Imperator Octávio César Augusto. Mas numa cronologia mais recuada encontrámos uma Rainha egípcia que governou o Egipto, concretamente Hatchepsut (séc XV a.c.) da dinastia dos Tutmosis, que erigiu monumentos megalómanos – como é o caso do seu templo cenotáfio e funerário em Deir el-Bahari – e durante o seu reinado de 22 anos revitalizou a Civilização Egípcia que conheceu a sua golden age comercial. Nos baixos-relevos do templo de Deir el-Bahari ficou representada a expedição à região do Punt que então se converteu no el dourado das rotas comercias egípcias. Esta terra, que se julga corresponder à algures na costa da Somália, era conhecida pelas suas riquezas, como a mirra, o incenso, o ébano, o marfim e os animais exóticos. A expedição parece ter sido pacífica, tendo os egípcios trocado os bens que desejavam por armas e jóias.

Mas podemos recuar ainda mais. Ainda na Pré-História as mulheres eram respeitadas e protegidas no seio de muitas tribos e clãs, pois era delas o poder da fertilidade e que asseguravam a reprodução e propagação da espécie. Certos núcleos civilizacionais no neolítico começaram a adorar a Mulher que se matizou em dividandes femininas e ídolo sobre a forma das inúmeras deusas-mãe.

Na Civilização Greco-Macedónica ou Helénica não encontrámos nenhuma mulher associada e empossada no poder político. Não obstante Helena de Tróia foi o pretexto para a maior guerra de então, a guerra entre os Helenos e os Troianos. Na cultura é de referir Safo – em grego, Σαπφώ, tranls. Sapphō – poetisa grega que viveu na cidade lésbia de Mitilene, activo centro cultural no século VII a.C. A sua poesia de conteúdo erótico granjeou-lhe o título de "a décima musa" na Antiguidade. Mas ainda incorporado nesta cronologia existiram as Amazonas ávidas e intrépidas guerreiras que combatiam em tronco nu e a cavalo e não deixavam que ninguém interferisse ou imiscuísse nos seus domínios que se fixavam na Anatólia, actual Turquia.

Na Idade Média, salvo nos países onde existia a Lei Sálica, as mulheres podiam subir ao trono e reinar. Algumas destacaram-se com grande mérito. Que o digam os nostros hermanos que viram a sua nacionalidade, reino e pais formado graças à hábil e destemida "politica" em todas as vertentes de Isabel I "A Católica" que casou com Fernando de Aragão anexando esse reino para a Coroa espanhola e em 1492, expulsou os mouros da Península Ibérica que tinham o seu último reduto no reino de Granada – também denominado de Al-Andaluz, hoje Andaluzia – e iniciou o expansionismo e exploração Espanhola no Mundo dando alvará e salvo conduto a Cristóvão Colombo para em nome dos Reis Católicos partir à descoberta de um novo mundo. Não demorou muito até que a Espanha se transformasse num Império intercontinental e que atingisse o zénite do seu vigor civilizacional.

A França também ficou a dever a fundação do seu reino a uma Mulher. Joana D’Arc, Donzela de Orleáns e Dama de Lorraine foi heroína na guerra dos 100 anos e foi por intermédio dela que o Delfim da dinastia dos Armagnac fundou o reino de França e que paulatinamente foi anexando ducados e condados que foram aumentando os domínios do Reino.

E que dizer de Maria I (Tudor) de Inglaterra que a todo o custo e recorrendo ao argumento do cacete e por todos as vias e meios, desde tortura, perseguição, matança, tentou alcançar o trono. Consegui-o e ficou conhecida para a História como Bloody Mary dado o seu percurso até ao trono no século XVI. Sucedeu-lhe Elizabeth I cognominada de "rainha virgem". É no seu reinado que se inicia a Golden Age Britânica e que se começa a construir o Império Inglês que ainda hoje sobrevive em parte sob a forma de alguns clientelismos mais ou menos encaputados e que na altura começou a valer à Inglaterra o título de Rainha dos Mares, tanto em termos comerciais como bélicos. Walter Raleigh iniciou a colonização e exploração da América do Norte fundando uma colónia cujo a toponímia era Virgínia em honra da Rainha mandatária. Já o implacável corsário e ávido servidor da Rainha Francis Drake conseguiu derrotar a armada invencível da Espanha ultra católica dos Filipes. Em termos simbólicos significava a decadência do Império Espanhol e o início do Império Inglês.

Já em pleno século XVIII, Catarina II da Rússia cognominada de "A Grande" governou com pulso de ferro dirimindo todos os conflitos religiosos que dilaceravam o País, exterminou a concorrência ao trono, foi Mecenas e deu a conhecer à Rússia o fausto e o luxo que a tornaram famosa, modelo e referência em toda a Europa. Para além disso iniciou o expansionismo e imperialismo Russo promovendo diversas investidas e raids nos territórios fronteiriços a fim de anexá-los.

A Revolução Francesa foi arquitectada e planeada nos salões das cortesãs e no seu decurso as sans coulottes incitavam os homens à revolta armada e sangrenta.

Já no século XX, a coligação neoliberal Ronald Reagan e Margareth Thatcher fez frente ao socialismo e comunismo da URSS durante os derradeiros anos da Guerra-Fria.

Como fica provado o protagonismo das mulheres ao longo da História é grande. É comum a ideia de que as Mulheres não tinham direitos políticos nem jurídicos. E os Homens tinham-nos? Plebeus e laboratores não tinham direitos políticos e só nos nossos dias é que o grosso da população obteve esses direitos. Em pleno Liberalismo, Monarquia Constitucional ou primeiras formas de Republicas de regime parlamentar e electivo, o voto não era acessível a todos. O voto podia ser censitário (plutodemocracia – só os mais ricos é que tinham direitos políticos) ou capacitário, por exemplo era preciso saber ler e escrever o que excluía a maior parte da população que era desde sempre analfabeta e iletrada. Apenas para falar da nossa era, durante a Idade Média e no Absolutismo só os Nobres tinham direitos políticos e jurídicos (foro próprio). Os Nobres representavam apenas 2% da população, logo tanto homens como mulheres estavam excluídos de direitos políticos e jurídicos. Mais tarde a Burguesia vem engrossar as camadas da população com direitos jurídicos e políticos, mas mesmo assim a maior parte da população independentemente do género teve de continuar a lutar por esses direitos. É ideia comum de que as Mulheres tiveram de lutar pelos seus direitos políticos e cívicos. E os Homens não tiveram de fazer o mesmo?

De igual modo, não é verdade que as mulheres estivessem confinadas ao espaço privado, ou à casa. As cortesãs frequentavam espaços privados para se diferenciar da ralé. Levavam uma vida faustosa, de salão, idílios e bailes. A rua era o espaço das plebeias e mais tarde das proletárias que tinham de sair de casa para laborar, lavrar ou vender para desse modo ajudar a sustentar o lar.

Há uma verdade nesta estoria da condição de inferioridade do sexo feminino ao longo do devir e diegese histórica. Com efeito, é após a Revolução Francesa que as mulheres começam a ter acesso à educação, cultura e ciência, e os seus meios de veiculação e expressão. Até ai esses domínios eram apanágio e pecúlio de uma minoria masculina. Após a Revolução Francesa as Mulheres tiram a mordaça e expressam-se sobretudo na literatura e pintura. Tenho de referir a esse nível já na época contemporânea o génio de Agatha Cristhie (escritora), Maria Helena Vieira da Silva (pintora vanguardista) e Marie Curie (cientista). Mas é necessário ressalvar um facto. Mesmo não tendo acesso aos meios de expressão por vezes as Mulheres (sobretudo Nobres, Princesas e Rainhas) foram mecenas, credoras e financiadoras da cultura e da ciência. Um bom exemplo disso é a relação que R. Descartes manteve com a Rainha e Princesa Suecas.

Outra ideia comum é a de que as mulheres tem um maior sentido de justiça, equidade e são menos violentas que os homens. Na guerra da Bósnia e da Sérvia no século XX, eram as mulheres que estavam encarregues de torturar os prisioneiros. No cardápio incluía-se arrancar e tirar olhos com colheres!

Em jeito de remate afirmo que a discriminação não tem género e não se deve fazer interpretações ou criar subterfúgios e argumentos falaciosos a partir da História sustentadores de teses que só servem para acicatar a bacoca guerra entre sexos, pois a História só acontece porque existem Homens e Mulheres.

CA

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