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MAKE AMERICA GREAT AGAIN – Donald Trump


«So this is how liberty dies, with thunderous applause». São as palavras da senadora Padmé Amidala, em Star Wars III: Revenge of the Sith, lamentando a entrega do poder nas mãos do Chanceler Supremo Palpatine/Darth Sidious, perante a ameaça fantasma conducente à guerra dos clones, ao extermínio dos Jedis, à suspensão da democracia e proclamação do I Império Galáctico.

A vitória de Donald Trump, na "corrida" para a Casa Branca, sugere colar-se à metanarrativa da saga cinematográfica entre o bem e o mal, entre os Jedi e os Sith, e infelizmente este Donald não faz jus à inocência e pureza da personagem da Disney, muito pelo contrário, parece fazer parte do lado negro da força. Contudo, também não estou certo que Hillary Clinton fizesse parte do lado bom.
Trump convocou fantasmas na forma de ódios primários, mexicanos, latinos, muçulmanos, como se a culpa da divida pública astronómica dos EUA fosse da tequila, dos tacos, nachos, kebabs ou dança do ventre. Personificou sexismos e a objetificação das mulheres. Face ao seu trato social e psicológico afigurava-se, à partida, como anti-presidencial, dotado de características niilistas – qual Lex Luthor, Joker, Pinguim –, personalidade prepotente e megalómana dominado por impulsos egocêntricos desmesurados, que enquanto bilionário esbanjador, materialista e narcisista, compra a sua notoriedade e prestígio público a par da satisfação dos seus prazeres e realização pessoais, traços temperamentais que, de forma paradoxal, coexistem com o facto de Donald Trump ser cristão Presbiteriano praticante e defensor das liberdades religiosas que, nos EUA, servem a expressão de diferentes credos de origem protestante.  
Mero puritanismo e falso moralismo norte-americano ou devoção sincera? Só o próprio poderá responder, através das suas atitudes e escolhas, agora como presidente da maior potência mundial, fazendo-o perante toda uma nação dividida entre apoiantes e indignados, cenário que, a meu ver, colocará sempre Trump em sarilhos, seja por cumprir ou falhar em concretizar as suas promessas eleitorais «Sic Semper Tyrannis» , entre as quais as que catalisam tensão e conflito cultural, étnico e racial. Mas, na realidade, será que este aparente volte de face merece tamanho espanto?
Sem dúvida que os EUA são um país cujas marcas fundacionais consistem na democracia, liberdade religiosa e direito à busca da felicidade, conforme consagrado na sua Constituição, valores e signos de identidade que nunca foram traídos até à data. Contudo, na América, são tantas as liberdades cívicas que sofrem altos e baixos, atropelos ou glorificação. Apesar da conotação inequívoca dos EUA com o bastião da liberdade, a sua História faz-se de presidentes assassinados, "lei do Far West", sufragistas, tensão racial, Ku Klux Klan, Martin Luther King, gangsters como Frank Costello e Al Capone – entre outros –, criminosos proeminentes celebrados quase como se fossem heróis nacionais, bem como assassínios em série, violência armada gratuita e inúmeras trapalhadas ou escândalos da intelligence e segurança interna e externa, tanto no ambiente histórico bipolar da Guerra-Fria como na atualidade do mundo multipolar. 
Mais. Os primeiros anos da sacro-santa democracia e liberdade Americana coexistiram com o fenómeno da escravatura, erradicada pela força das armas nos estados sulistas, no 3.º quartel do séc. XIX, sob a égide do carismático, mas desventurado presidente Abraham Lincoln, facto representativo da mentalidade que prevalece até aos dias de hoje, sob a forma de discriminação racial e xenofobia nas consciências mais retorcidas.
A verdade é que os americanos, além da preservação da sua liberdade e segurança, não conseguem dizer não à chispa e violência de uma boa briga, tendo especial fixação por valentões, ainda para mais se tudo estiver montado como num reality show.  

Na realidade, Donald Trump sabe usar o mediatismo e instrumentalizar os media e social media em seu favor. Nem o jornalismo mais criativo e de humor inteligente foram capazes de desmascarar a indignidade das suas ideias mais prepotentes. Faltou elucidar os eleitores norte-americanos de todas as possíveis vantagens e virtudes da eleição da primeira mulher Presidente dos EUA. Ao invés, o registo noticioso e jocoso preferiram o tom satírico ou caustico que alimentou o "monstro" Trump, permitiu-lhe fazer-se passar por self-made man, simples industrial ou empreendedor, defensor próximo da classe operária urbana ou rural, incompreendido face à robustez do seu discurso contra o sistema estabelecido, vitimado por calúnias, aspetos que esconderam a realidade nua e crua da sua personalidade lubrica, bem como alimentaram a nostalgia do "american way of life" e saudosismo da América industrial ou rural dos anos 20 e 30, que dificilmente voltará, em plena revolução neo-técnica. Trump, através da sua demagogia populista, conquistou os votos do "American Idiot", tal e qual descreve a música de Green Day. 
A América iletrada ou aquela América endinheirada e egocêntrica, que não quer compartilhar o "american dream" com mais ninguém, deram uma bela bofetada de luva branca na América progressista e civilizada. Mas subsiste a questão: É possível a qualquer candidato a Commander-in-Chief concorrer com base em ideias que, no limite, configuram atos contra a Humanidade, os Direitos Humanos e a própria lei que rege os EUA? Pelos vistos sim, a partir do momento em que as pessoas deixam de se preocupar com a verdade e se contentam com meias-verdades ou se congratulam na mentira, nas aparências, fogem à dor e choque com a realidade, refugiam-se no conforto das falácias e preconceitos vociferados por twitts e posts insondáveis do facebook. 
  
De que adianta Trump proteger as liberdades que servem a América branca, puritana e evangélica, se acabar com tantas outras e, ao fazê-lo, cercear a Liberdade em si mesma, chegando o dia em que não haverá mais capacidade de escolha, somente a vontade de uns quantos
De resto, no seu gabinete e núcleo duro de conselheiros, de acordo com as informações veiculadas na imprensa e comunicação social, figuram personalidades assumidamente fascistas. Será Trump o The Man in The High Castle ou, conforme a perspetiva dos cépticos, apenas mais um político que, como tal, não cumprirá nada daquilo que prometeu?
A América é dona do seu nariz, dotada de soberania plena para mudar a sua dinâmica económica, enveredar pela viragem protecionista. De igual modo, é plenipotenciária de alterar a sua política externa, procurar novas alianças, mesmo que sejam à custa da derrocada da Europa. Contudo, não pode ser permitido a nenhum país sacrificar o respeito e a dignidade humana individual e coletiva por mero populismo ou conveniência política.   

De resto, a sorte da democracia americana é proporcional ao sortilégio do seu sistema eleitoral caprichoso e eclético. No voto popular, divulgado pelos média após a conclusão do escrutínio, Trump obteve cerca de 48% do eleitorado, enquanto Hillary Clinton atingiu os 47%. Noutro sistema de democracia direta, à europeia, daria direito a 2.ª volta. 
Com base nos resultados definitivos, difundidos oficialmente um dia depois da "distopia" Trump, na realidade, Hillary Clinton obteve mais votos: 59,18 milhões para a Democrata e 59,04 milhões para o Republicano... Mais. A tendência deverá acentuar-se, conforme o fecho dos resultados eleitorais, com vantagem de milhões para a Democrata... Em Portugal, 1 a 2 milhões de votos de diferença é sinónimo de maioria absoluta... Mas nos EUA, o candidato a presidente mais votado pode não ter quorum no orgão eletivo... não chegando a ser presidente... certos Estados detém a maioria do Colégio Eleitoral.
O eleitorado comum vota para eleger o Colégio Eleitoral – consoante o número de delegados cujas representatividade demográfica e importância de cada Estado dão direito –, formado pelos "grandes eleitores" republicanos, democratas ou independentes que, por seu turno, elegem o presidente dos EUA. Mas se um dos candidatos tiver 51% e o outro 49%, num mesmo Estado, as vagas no Colégio Eleitoral não se dividem pela votação nos dois candidatos. O mais votado nesse Estado, num processo semelhante ao de morte súbita das competições desportivas, vence a totalidade do Colégio Eleitoral. Mas, por sua vez, um grande eleitor republicano, mandatado para isso por voto popular, pode "virar a casaca" delegado dissidente e escolher votar no candidato democrata ou vice-versa. 
Este secretismo e voltas e reviravoltas do sistema eleitoral norte-americano alimentam todo o tipo de suspeições ou desconfianças. É tudo muito complicado... todas as jogadas que permite e acarreta. Mais parece uma intriga dos The Sopranos ou do Godfather
A ver vamos se o Colégio Eleitoral ainda não dá a volta a isto tudo, visto que o seu escrutínio ainda pode mudar as regras do jogo até ao final do ano, face à possível, embora improvável, dissidência de alguns dos delegados republicanos, possibilidade que colocaria a batata quente da eleição do próximo presidente dos EUA nas mãos da Câmara dos Representantes, tal como já aconteceu no início do séc. XIX, na eleição de Thomas Jefferson vs John Adams. 
Existe mesmo uma petição, já com mais de 4 milhões de assinaturas, sustentando que, perante tal cenário, a presidência deveria ser entregue a Hillary, porque venceu no voto popular. O próprio Partido Republicano poderá recear empossar Trump, em função de o mesmo se ter afastado do seu núcleo central, preferindo figuras mais marginais ou "contratar" independentes. Mas, volto a dizer, isto das eleições nos EUA é mesmo uma grande salgalhada.
Perturbador é constatar que, para lá de Trump, o próprio Partido Republicano controla todos os órgãos de soberania do governo federal, capacitado para se tornar o dono do poder sem nunca mais o perder, mas isso já será teoria da conspiração, acicatada em parte pela perceção e declarações do senador Bernie Sanders.

Caso Hillary Clinton tivesse ganho a eleição, representando a 1.ª mulher na Casa Branca, pelo menos, na estética do poder, seria um sinal de continuidade do progressismo, se considerado o contexto histórico antecedente, dos 8 anos de mandato do 1.º presidente negro dos EUA, Barack Obama. Mas não. A realidade é cruel e evoca o "seriado" de TV Orange is the New Black
A "América proibida e revelada" deu carta branca a Trump. Fomos vítimas da incompetência dos media, que parecem ter entrado em negação. Ridicularizaram Trump, elevaram Hillary, mas esqueceram-se que, por vezes, nas psicologias e sociologias coletivas, tanto em momentos dourados como de crise, muitas pessoas se fascinam e promovem a ascensão de vilões que gritam clichés ou mitos urbanos alimentadores da nossa existência egocêntrica, virada apenas para o nosso umbigo, apelativos de instintos primários, mandando a civilização pelo cano abaixo.
Hillary Clinton e o seu eleitorado iludiram-se com o apoio do sector criativo e meios de vida mais liberais da sociedade, associados, por ex., ao Estado da Califórnia e universo Hollywood. Facto é que, entre duas más opções, Donald Trump representa, sem dúvida, a pior das escolhas.

"Pés de barro". É a metáfora bíblica usada por crentes e descrentes em relação à fragmentação política da Europa medieval, após a queda do Império Romano do Ocidente, caracterizada pelo fechar das cidades sobre si mesmas e a construção de muros ou muralhas que, entre outras ameaças, proporcionavam o falso sentimento de proteção contra o invasor muçulmano/mouro. 
É a versão verdadeira da História. Talvez não. É aquela em que parecemos querer acreditar. Mas não devíamos fazê-lo. 
Até mesmo na Dark Age, inúmeras cidades lograram alcançar grande prosperidade e desenvolvimento económico e sociocultural sustentados na superação do conflito e preconceito, fator que permitiu o florescer do comércio e trocas civilizacionais entre cristãos e muçulmanos, como por ex., no Império Carolíngio, as cidades do Vale do Mosa, ou, na Península Ibérica da Reconquista, o Al-Andaluz, realidade geo-histórica que qualifica a ocupação Árabe, cuja maior parte do território e vestígios da islamização correspondem à atual Andaluzia.
Uma pequena alusão à História Universal para constatar que a união entre os 51 Estados norte-americanos está longe de ser férrea ou perfeita. Importa reconhecer nos EUA, o país das clivagens, dos contrastes e assimetrias. 
União frágil – imposta inclusive por uma Guerra Civil/Guerra de Secessão (1861-1865) –, mas que adora refugiar-se atrás do slogan inspirador e galvanizador: Make America Great Again. Esse é o seu maior defeito. Bem-vindos à "Era do Vazio". A incapacidade de os americanos olharem para si próprios e de o mundo olhar para a América de forma a desmistificar a falácia ou preconceito de que os EUA são a melhor nação do mundo. Grande dose de orgulho alimentado por mentiras ainda maiores: eis o temperamento e neurose de uma nação "prestes a explodir".  
É esse o mérito populista da eleição de Trump, escudar-se na sobranceria e vazio de ideias da América. Sem dúvida que são a grande potência política, militar e económica, mas em indicadores de desenvolvimento humano, literacia, civismo, direitos humanos, liberdades cívicas, estão longe de se poderem achar e dizer perfeitos. 

Passado o charlatanismo da candidatura, é hora de começar a governar. Trump foi eleito só porque sim. É o presidente que a América merece. Não obstante, acredito que os americanos vão manter-se fiéis ao seu registo civilizacional libertário, mas também violento. Uns quantos cobrarão as promessas eleitorais divisionistas e do nacionalismo branco. Outros manter-se-ão indignados. América dividida. A ver vamos se os muros se erguem ou se Trump será vítima do seu próprio carácter e colherá, na forma de revolta ou impeachment, os ódios e medos semeados com o intuito de mobilizar o eleitorado.

Cada vez mais a estética da política ganha sobre a ética. Nada como revisitar o pensamento do escritor romântico Óscar Wilde: «É um absurdo dividir as pessoas entre boas e más. Somos apenas encantadores ou entediantes.» Mais. No romance Dorian Gray, podemos encontrar algum conforto na ideia: "Perante algo bom ou mau, escolho o melhor dos dois". Eu escolho Melania Trump, a primeira-dama estrangeira e que pousou desnuda para fotos, e isso, uma mulher despida – ainda que aparentemente tapada das ideias e perceção –, será sempre um símbolo inequívoco de liberdade, mesmo quando o faixo da dama da liberdade parece brilhar menos. Hasta la vista América. We'll Meet Again!

CA

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